A Argentina está preparada para um Exxon Valdez na Patagônia?

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Em 24 de março de 1989, o petroleiro Exxon Valdez encalhou no Recife de Bligh, Alasca, marcando um ponto de viragem na consciência pública sobre os riscos do transporte marítimo de hidrocarbonetos.

Apesar das promessas do governo federal e da indústria petrolífera de priorizar a segurança ao aprovar o oleoduto que ligaria o norte do Alasca a Valdez, o derramamento de 37.000 toneladas de petróleo devastou ecossistemas, comunidades e economias locais, revelando negligências sistémicas que iam desde a falta de um radar funcional no navio, que causou o encalhe, até à ineficácia do plano de contingência da Alyeska, que não possuía uma equipa de emergência pronta para atuar.

A necessidade de usar dispersantes químicos, com seus conhecidos efeitos nocivos sobre a vida selvagem, e a resposta lenta exacerbaram ainda mais o desastre. Embora a ExxonMobil tenha investido mais de 5 bilhões de dólares na limpeza, o ecossistema ainda apresenta sequelas evidentes e as comunidades costeiras, como destacou o pescador Mike Webber em declarações ao New York Times duas décadas após o incidente, sofreram perdas irreparáveis em seus meios de vida.

Este desastre não foi apenas uma tragédia ambiental, social e econômica, mas também um catalisador de mudanças profundas nas regulamentações e práticas da indústria. O Congresso dos Estados Unidos respondeu com a Lei de Poluição por Petróleo (OPA, em inglês) de 1990, uma legislação histórica que elevou drasticamente os padrões de segurança e responsabilidade no transporte marítimo de hidrocarbonetos.

A OPA, posteriormente adotada como modelo pela Organização Marítima Internacional (OMI), introduziu medidas para minimizar o risco, incluindo o uso de navios de casco duplo, sistemas de lastro segregado, registro e monitoramento de cada navio para garantir a conformidade normativa e normas de navegação mais rigorosas. Em relação à tripulação, foram estabelecidos requisitos de treinamento e certificação mais rigorosos, e foi proibido o consumo de álcool a bordo.

No entanto, o risco de novos derramamentos persiste, especialmente em áreas ambientalmente sensíveis e com capacidade de resposta limitada.

Está a Argentina preparada para um Exxon Valdez em Rio Negro?

Hoje, a construção do maior porto exportador de petróleo da Argentina em Punta Colorada, Rio Negro, levanta uma questão muito séria: este projeto poderia tornar-se o próximo “Exxon Valdez”, com consequências catastróficas para a biodiversidade patagônica e as comunidades que dela dependem?

A escolha do Golfo San Matías para a instalação de um oleoduto e um terminal de carga é profundamente problemática, pois omite dois fatores de grande relevância: a proximidade com a Península Valdés, um ecossistema único declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, e uma história local e nacional de respostas a derramamentos que está longe de ser satisfatória, chegando, em alguns casos, à negligência criminosa.

Diversos estudos realizados pelo Instituto de Conservação de Baleias, entre outras entidades de pesquisa, identificaram o Golfo San Matías como uma das áreas-chave de reprodução e criação da Baleia Franca Austral.

Esta área chave, que tem uma população de 5.500 baleias, mostrou sinais de repovoamento desta espécie após ter sido quase levada à extinção devido à pressão exercida pela caça comercial até a sua proibição em meados do século XX. O monitoramento de indivíduos mostra um uso intensivo das zonas costeiras de San Matías, sobrepondo-se com as posições projetadas da infraestrutura petrolífera.

A carga e descarga de hidrocarbonetos acarretam impactos que, sem dúvida, degradarão este ecossistema único e poderiam desencadear uma catástrofe que transformaria este local, atualmente um motor da economia local graças à observação responsável de baleias, em uma paisagem desoladora.

O caso do Exxon Valdez marcou um marco e apesar de todas as mudanças em termos de prevenção, a questão é se a Argentina estaria preparada para enfrentar um evento desta magnitude.

O impacto potencial de um derramamento nesta área seria catastrófico para a vida marinha, que não inclui apenas baleias francas austrais, mas também lobos-marinhos e elefantes-marinhos, a maior colônia do mundo de pinguins-de-magalhães e uma rica biodiversidade que inclui espécies em perigo de extinção. Mas o impacto não se limitaria à vida marinha; as comunidades costeiras que dependem principalmente da pesca e do turismo de observação de baleias seriam afetadas de forma irreparável, gerando perdas econômicas e um impacto social permanente.

Este risco de um possível “Exxon Valdez” não é mera especulação. A costa argentina, com sua infraestrutura de exploração offshore, bóias de carga e um intenso tráfego marítimo nos portos da Patagônia e Buenos Aires, possui um extenso histórico de derrames com respostas insuficientes.

Os incidentes recentes são evidências dessas deficiências. Em 2021, um derramamento em Catriel, Rio Negro, expôs a improvisação dos protocolos de segurança, com o uso de uma simples piscina de lona para conter o petróleo, contradizendo as declarações oficiais provinciais sobre a implementação de um plano de contingência adequado.

Da mesma forma, os três derramamentos ocorridos em Bahía Blanca entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024, que afetaram canais utilizados por espécies ameaçadas como o golfinho-franciscano, revelaram a falta de ativação oportuna dos protocolos de emergência do Sistema Nacional de Preparação e Resposta à Poluição por Hidrocarbonetos e outras Substâncias Nocivas e Potencialmente Perigosas (PLANACON), segundo Pablo Petracci, Diretor da Estação de Resgate da Fauna Marinha de Bahía Blanca (Erfam).

Estes exemplos, entre muitos outros, demonstram a fragilidade do sistema de prevenção e resposta a este tipo de desastres. A falta de infraestrutura, pessoal capacitado, planos de contingência robustos e recursos financeiros adequados para a contenção e limpeza de derramamentos agrava os danos ambientais, econômicos e sociais.

Possíveis consequências ambientais

Se o projeto em Punta Colorada for concretizado, as águas do Golfo San Matías estarão expostas ao carregamento, despacho e trânsito de navios-tanque com capacidade de 390.000 metros cúbicos a cada cinco dias. Isso equivale ao movimento anual de aproximadamente 25 milhões de metros cúbicos de hidrocarbonetos, equivalentes a 155 milhões de barris de petróleo. O projeto se apresenta em um contexto de vulnerabilidade preexistente.

Este volume massivo de transporte, somado ao histórico de incidentes e à comprovada falta de preparação, bem como à prox

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