Contra o desperdício alimentar que chega a 1,3 bilhão de toneladas que acabam no lixo, gerando um problema ambiental que emite metano e acelera as mudanças climáticas. Da Índia à Argentina, empreendedores e cientistas estão transformando esses resíduos em fontes de energia limpa, reduzindo emissões e criando modelos de economia circular. Esta reportagem percorre quatro continentes para mostrar como os resíduos orgânicos alimentam lares, indústrias e esperanças.
Índia: contra o desperdício alimentar que transforma verduras podres em eletricidade
No mercado de Boen Pali (Jaidrabar), 10 toneladas diárias de verduras não vendidas — podres ou descartadas pelos agricultores — são trituradas e transformadas em polpa. Esta mistura vai para dois digestores anaeróbicos, onde bactérias geram biogás capaz de alimentar uma cozinha comunitária que serve 800 refeições diárias.
O Dr. Rao, cientista responsável pelo projeto, explica: “O biogás não só produz energia, também cria adubo orgânico que os agricultores reutilizam“. Com mais cinco plantas em construção, a iniciativa evita que os resíduos acabem em aterros sanitários, terceira fonte de emissões de metano causadas pelo ser humano.
Serra Leoa: Briquetes de coco contra o desmatamento
Após perder sua família adotiva em um deslizamento de terra em 2017, Alhajie Yisirafba fundou a Rukzal Trading. Sua empresa coleta 2 toneladas semanais de casca de coco — descartadas por vendedores em Freetown — para transformá-las em briquetes de carvão.
“Um quilo custa quatro vezes mais que o carvão tradicional, mas dura quatro vezes mais”, destaca Alhajie. Com vendas na Alemanha e no Reino Unido, o empreendedor busca popularizar seu uso em fogões domésticos para frear o desmatamento, crucial na prevenção de desastres. Atualmente, emprega 10 trabalhadores fixos e gera até $4.500 mensais.
Argentina: Biotruncos de resíduos de sidra
No Alto Vale argentino, José Alberto Aramberri e sua esposa Cristina transformam a borra — resíduo da produção de sidra — em toras combustíveis. A cada ano, a indústria sidreira local gera 75.000 toneladas deste resíduo fibroso.
“A borra seca ao sol, é compactada e cortada em pães”, detalha José, que projetou maquinaria especializada para o processo. Os biotruncos possuem a mesma eficiência energética que a madeira e já são utilizados em grelhas de restaurantes. Apesar de contratempos políticos — como o cancelamento de um contrato governamental —, o projeto continua crescendo com vendas diretas para clientes locais.
Indonésia: Gás metano de águas residuais de tofu
Em Sumedang, região famosa por seu tofu, 33 litros de água residual são gerados para cada quilo produzido. Uma planta comunitária captura esses resíduos ácidos — antes despejados em rios — e os fermenta em seis digestores anaeróbicos.
“O desperdício alimentar é um processo que leva 20 dias e reduz 90% da poluição“, afirma Pepe, técnico da planta. O biogás resultante abastece 56 lares, embora seu fluxo seja intermitente: só chega de manhã e à tarde. A Indonésia, com 19.000 fábricas de tofu, vê neste modelo uma alternativa para comunidades sem acesso a gás natural.
Desafios e potencial global
Embora o biogás seja até cinco vezes mais caro que o gás natural em países como os EUA, seu custo é reduzido na Ásia, onde a diferença é inferior a $2 por unidade. No desperdício alimentar, na Dinamarca já opera a maior planta do mundo, enquanto empresas israelenses comercializam biodigestores domésticos.
“Nunca substituirá o gás natural, mas aproveita o que os outros jogam fora”, destaca um engenheiro de Boen Pali. Para Alhajie, o sucesso está em “inspirar outros”: desde evitar deslizamentos em Serra Leoa até dar sabor a churrascos argentinos, esses projetos demonstram que o lixo pode ser o combustível de um futuro mais limpo.