Dez anos após a sua publicação, a encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco, emitida em 24 de maio de 2015, continua a ser uma força motriz na conversa global sobre o meio ambiente e a justiça social.
Originalmente concebida como um apelo urgente à humanidade para reconsiderar a sua relação com a natureza e os sistemas econômicos, o documento alertou para as crises interligadas de degradação ambiental e injustiça social. Hoje, no contexto do Jubileu 2025, a visão de Francisco se expande, conectando a emergência ecológica com a crescente crise da dívida que sufoca povos e governos.
O Papa Francisco enquadrava Laudato Si’ como um “clamor da Terra e o clamor dos pobres”. O documento não foi apenas uma reflexão teórica, mas um “chamado à ação urgente”. Aprofundou-se na “ecologia integral”, um conceito que funde as dimensões ambiental, econômica, cultural e social numa única visão moral.
Isso significa que o cuidado da natureza não pode ser separado do cuidado dos mais vulneráveis. A encíclica criticou o consumismo moderno e a tecnocracia, assim como os sistemas econômicos que “exploram tanto as pessoas quanto o planeta”. Além disso, o Papa alinhou firmemente a Igreja com o consenso científico sobre o cambio climático, apontando a atividade humana, especialmente a queima de combustíveis fósseis, como a principal causa do aquecimento global.
## Impacto na Igreja e na Geopolítica
A recepção de Laudato Si’ dentro da Igreja Católica tem sido significativa, embora desigual. Institucionalmente, a encíclica impulsionou a adoção de seus princípios como um quadro orientador em conferências episcopais, dioceses e agências de desenvolvimento católicas. O Vaticano estabeleceu o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral para coordenar os esforços de justiça ambiental, social e econômica.
Para os leigos, especialmente no Sul Global, Laudato Si’ legitimou suas lutas pela justiça ambiental e social, tornando-se um ponto de união contra a mineração, a desflorestação e a privatização da água.
O documento também aprofundou o compromisso da Igreja com a juventude global, ressoando a linguagem da “justiça intergeracional” com movimentos como a Geração Laudato Si’ e Fridays for Future.
No âmbito político e diplomático, o momento da publicação de Laudato Si’ foi estratégico. Foi lançado em junho de 2015, meses antes da crucial COP21 em Paris, com o objetivo de influenciar as negociações do Acordo de Paris em dezembro.
A encíclica foi citada por chefes de Estado e negociadores, e o então Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, considerou-a uma contribuição crucial às conversas climáticas. Ao elevar a crise climática de um desafio tecnocrático a uma questão de ética e justiça, e ao utilizar o conceito de “dívida ecológica”, o documento legitimou as demandas de equidade e financiamento climático das nações vulneráveis. O Vaticano, com seu estatuto único, atuou como um “construtor de pontes” em fóruns multilaterais.
## Do clamor da Terra ao Jubileu da Esperança
Quase uma década após Laudato Si’, o Papa Francisco voltou a esses temas com uma urgência ainda maior em sua bula papal de 2024, Spes Non Confundit (“A esperança não decepciona”), o texto fundacional do Ano Jubilar 2025. Estes dois textos formam um contínuo, abrangendo uma década de crescente angústia planetária e pedindo uma reorientação radical.
A tradição do Jubileu, que invoca o perdão de dívidas e a restauração da Terra, é recuperada por Francisco como um quadro contemporâneo para abordar as “injustiças duais” de hoje: o colapso ecológico e a desigualdade econômica sistêmica. Em Spes Non Confundit, o Papa estabeleceu um vínculo explícito com Laudato Si’, descrevendo a dívida ecológica e a dívida financeira como “dois lados da mesma moeda que hipotecam o futuro”.
O Papa Francisco tem utilizado sua plataforma diplomática para preparar a Igreja e o mundo para um Jubileu transformador. Em discursos-chave, ele tem consistentemente ligado a destruição ambiental a sistemas econômicos injustos, pedindo o perdão da dívida não como caridade, mas como justiça. Esta visão se traduz em demandas geopolíticas concretas: alívio da dívida, reforma do financiamento climático e o estabelecimento de um fundo global para erradicar a fome e promover o desenvolvimento sustentável.
Francisco posicionou a dívida ecológica no coração do Jubileu 2025, enquadrando-a como um imperativo moral. Sublinha a natureza sistêmica da exploração ao conectar as dívidas ecológicas e externas, e insta à solidariedade global. Em Spes Non Confundit, o apelo moral mais impactante é dirigido às nações mais ricas, instando-as a reconhecer a “dívida ecológica” que têm com o Sul Global, um legado de séculos de exploração de recursos naturais e mão de obra.
O Vaticano espera participar ativamente em cimeiras globais chave em 2025, desde a Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento em Sevilha até à 30ª Conferência da ONU sobre o Clima. A Igreja está a posicionar-se como um ator moral vital num sistema multilateral fraturado.
O Jubileu 2025 apresenta-se como um teste interno para a Igreja: a visão de Laudato Si’ enraizar-se-á em todas as suas estruturas? Os fiéis compreenderão o perdão da dívida como um “ato sacramental” de graça e dignidade restaurada? Francisco aposta na esperança como uma força espiritual e política capaz de confrontar a desesperança da nossa era. Ao completar uma década de Laudato Si’, a mensagem é clara: o caminho rumo à justiça ecológica e económica não se dobrará sozinho. Requer ação coletiva e coragem moral para transformar o mundo.
**Fonte:** [The Common Initiative](https://thecommoninitiative.org/)